Esta noite tive uma
multidão de sonhos. Saí para a rua. Precisava de um sinal e por isso saí para a
rua depois de enfiar no meu corpo um vestido branco e de ter lavado a cara em
frente ao espelho, pensando sempre nos sonhos. Saí para a rua e nela também
estava uma multidão. Pessoas, muitas pessoas mas a multidão era mais do que
isso.
Precisei de sair para a
rua inundada de sonhos para perceber uma outra realidade. Entre os meus sonhos
e aquela rua cheia de uma multidão, havia assassinos, havia ladrões e havia
violadores que todos esperam ver no outro lado do mundo. Naquela rua havia
pessoas que apontam as falhas dos vizinhos mas que também as têm, havia pessoas
que levam uma vida inteira a invejar outras, havia filhos deixados esquecidos em
creches, adolescentes a drogarem-se e a beberem sem um amanhã, homens e
mulheres a traírem-se mutuamente, havia idosos abandonados, alguns mortos e
esquecidos. Naquela rua havia muitos segredos, muitos mitos, muita corrupção,
muitas palavras que não se diziam por não ficar bem e que por isso eram
recalcadas e supostamente esquecidas. Naquela rua havia quem simplesmente não
tivesse sonhos.
Precisei de crescer
durante anos para me aperceber de alguma cegueira que tinha acerca do mundo e
que penso ainda não me estar curada na totalidade. Naquela rua e naquele dia
cansei-me de ver existir uma multidão sem sonhos e de ver a existência dos meus
sonhos serem uma multidão. Voltei para casa com o vestido preto e naquele dia
não quis sair mais à rua.
'Os sonhos só são sonhos porque os sonhamos', por isso
voltei a sair à rua no dia seguinte na expectativa de que o mundo estivesse
diferente, como eu.
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