quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Quem nos magoa, ensina

  



Hoje compreendo tudo o que não compreendia há anos atrás por ser criança. Hoje compreendo porque não me abraçavas com a mesma vontade. Compreendo porque não ficavas comigo, ver-me adormecer ou ficavas a meu lado quando estava doente. Sei que preferias ver notícias repetidas do que te sentares comigo no chão da sala para brincarmos sempre com coisas diferentes. Sei que não ouvias metade do que te dizia ou do que te tentava dizer, por estares atento a algo mais importante para ti. Hoje sei que preferias trocar-me por um baralho de cartas e uns tantos cigarros. Sei que preferias isso, mesmo que eu desafiasse a perfeição.

Um dia compreendi que podia até ser a melhor do mundo em tudo e mais alguma coisa mas que isso não é a razão para que nos amem porque eu sabia amar-te. Hoje sei o valor do amor, de um abraço, de um olhar porque um dia me ensinaste o valor do desprezo, da troca, da rejeição. Aprendi a colocar de lado as perfeições que idealizava, aprendi que nunca prenderei ninguém e quem entrou tem todo o espaço para sair das nossas vidas. Não existo nem nasci para segundas opções na vida de ninguém.
Nunca saberás mais nada sobre a minha pele porque eu só perdo-o erros humanos. Sem ti obtive diploma de perfeição a muitos olhos mas também já fracassei tantas vezes, falhei tantas vezes e chorei tantas vezes. Sem ti já corri muito longe para não ter que ver mais ninguém no mundo mas percebi que não valia a pena. Tudo, sem ti. Hoje sei o que talvez demores anos e anos a tentar aprender e talvez morras mesmo sem saber nada.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

"Os deuses são deuses, porque não se pensam"


“Os deuses são deuses
Porque não se pensam.”
- escreveu Fernando Pessoa.

  O mundo gira na cabeça de cada um de nós, somos ziliões de peças num puzzle que, no final, mostra uma imagem quase perfeita. Imagem que aconteceu por acaso, apenas porque não foi pensada. Foi criação de um autor desprovido de capacidade mental. Autor esse que assina por Natureza.
  E as hipóteses de tal acontecer? Nada falhou. Tudo tem um propósito. Tudo! E afinal nada foi pensado.
  E eu? Que propósito tenho? E tu? Nós só desconhece-mos esse propósito, o tal “sentido da vida” porque pensamos nele, se não o racionaliza-se-mos ele aparecia claro, transparente aos nossos olhos.
  Eu penso que sou alto, e depois vejo-me a olhar para cima para falar com alguém ainda mais alto, e torno-me pequeno. Eu penso que sou um atleta normal, e de repente, dou por mim a vencer uma prova. Depois eu penso que sou bom atleta, vem alguém e fica á minha frente na chegada. Então eu penso que não devia pensar, para ser perfeito... E depois, adormeço com pensamentos destes... na noite (im)pensativa.
  Ninguém pensou a noite, ninguém arquitectou o dia. Ninguém criou a morte. Mas todos pensamos na vida. Eis a razão de não sermos perfeitos.


"Uma Casa na Escuridão" de José Luís Peixoto


          José Luís Peixoto consegue descrever ao mais ínfimo pormenor, os olhares, as expressões, os gestos, a voz, a música, os sons, as imagens e os episódios de uma forma excecional como se a vivenciássemos.

            Uma casa cinzenta repleta de gatos de todas as cores, um escritor apaixonado de amor por alguém que vive nele, comunicando-se através da escrita. É noite, o seu braço direito treme, sentado à escrivaninha, descreve-a com uma paixão ardente onde ela, a seus olhos, é a mulher mais bonita do mundo. Uma mãe desligada do mundo. Um pai que matara a sua amada, a escrava madalena, com um machado na face, conduzindo-a também para a morte. A impossibilidade de um príncipe com um vazio no lugar do coração de viver um amor com a escrava miriam.
            O surgimento das invasões na cidade, as amputações, a destruição dos corpos e sua aniquilação. Sangue, sofrimento, escuridão, dor, o medo muito perto do terror, a destruição dos sonhos, a morte. Ao escritor, os braços amputados, a fonte de sustento daquela que estava dentro dele. À mãe, a audição arruinada para que não entendesse a música. Ao violinista a perda das mãos. A escrava miriam violada. Um ninguém sem nada.
            Os dias custam a passar, a morte apesar de desejada é lenta. A (im)possibilidade do amor e dos sonhos, e ainda assim um final encantador.  



sexta-feira, 24 de agosto de 2012

"Estranha Fruta"

"Strange Fruit" por Abel Meeropol

«Árvores do Sul pendurando um fruto estranho,
Sangue nas folhas e sangue na raiz,
Corpos pretos a balançar na brisa do Sul,
Fruto estranho pendurado nos álamos.

Cena pastoral do Sul galante,
Os olhos esbugalhados e a boca torcida,
Perfume de magnólias, limpo e fresco,
E subitamente o cheiro a carne queimada!

Aqui está fruta para os corvos arrancarem,
Para a chuva recolher, para o vento sugar,
Para o sol apodrecer, para as folhas tombarem,
Aqui está uma cultura estranha e amarga.»

Versão cantada por Nina Simone
Original por Billie Holiday

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

O Discurso de um Esquizofrénico


Desconheço o limite do meu corpo relativamente ao mundo. Eu habito num corpo que não é sentido por mim, nem sequer me reconheço nele. Estou sentado, a escrever e tudo o que vejo é este teclado a escrever palavras que me ocorrem na cabeça e a aparecerem num ecrã. São umas mãos que o escrevem, eu apenas as vejo escrever muito rapidamente e sobre ditadura daquilo que quero e penso. Roubam-me o pensamento, as ideias e o que é absolutamente meu e perseguem-me em fugas que sou obrigado a fazer num corpo em que vivo para me manter vivo lá dentro. Hoje decidi continuar aqui sentado mesmo que oiça umas tantas vozes e sons de pássaros a voar debaixo da terra que piso, mesmo que os consiga ver a pedirem-me para que voe com eles. Hoje chega, sinto-me cansado de fugir do mundo que não compreende o que sinto e que ainda me pretende catalogar num livro de transtornos mentais. Vivo os meus dias num corpo perseguido e atento a olhares que se mexem e a dedos que me apontam. Preferia que o mundo se transformasse em fumo e que fossemos apenas isso. Fumo e nada mais do que isso, sem olhares, sem sons, sem criticas, sem dedos que apontam. Fumo que nasce do outro lado do mundo que dá a volta até aqui chegar e que o derrete. Agora sim, vejo o mundo como quero, eu não o vejo e ninguém o vê. 

Fumo e nada mais do que isso.


segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Um Século e Picos Depois

  Faz algum tempo que me foi aconselhado um livro magnifico para ler e despertar a mente, e quem sabe, o poeta que mora na cave do meu ser. Deram-lhe um nome, como se dá a todas as coisas, de "Cartas a Um Jovem Poeta". Dentro dele existem dez cartas escritas por Rainer Maria Rilke em jeito de resposta a um jovem poeta que encontrava neste escritor um amigo que o podia aconselhar.
  A certa altura na Carta Sétima, escrita em Roma a 14, de Maio de 1904, lê-se:

"(...)muitos jovens que amam erradamente, isto é, entregando-se simplesmente(..)" 
 ...

  Eu sou jovem, eu amo erradamente(ou nao se chama amar a isto), e entrego-me simplesmente. Já passaram 108 anos e este homem sabe tanto sobre a juventude de um século diferente, de um milénio diferente. Nada mudou.
  Sempre que leio isto, lembro-me de amigos e amigas, juntos, ou já separados, que erradamente estão ou estiveram, que simplesmente se tocam ou se tocaram fisicamente.
  Eu hoje acho que mudei, não me apetece tocar só, fingir que amo... Não quero! Se para isso tiver de deixar de ser "juventude" então que seja. Mas adulto também não sou, não quero problemas nem grandes responsabilidades que nem eu me encarreguei de as ter. Mais uma vez, não sei o que sou. Mas sinto que sou algo, só ainda não sei, nem ninguém sabe, o quê. É, talvez, a única coisa a que ainda não deram um nome.


 

domingo, 19 de agosto de 2012

O erro de Descartes

Sinto logo existo

Sinto frio, sim...
Sinto tanto.
Sinto a fome em mim
E o calor do meu manto.

Vivo porque sinto
Não porque penso.
Quando penso, minto.
Quando sinto, é imenso...

E dói a dor de ser só
Que me enche o corpo em danças,
Esquecendo-me do pó
Que me sufoca as barbas brancas.

Sou ninguém. Não sou.
E ainda assim tenho sentimento,
Que o vento ainda não levou...
Peço-o a todo o momento.

Sem teto aqui fico
Arrastado ás marés...
Mas meu neto... meu filho...
Nunca de esqueças do que és!

És como eu...